App mapeia mais de cinco mil famílias em territórios tradicionais no Cerrado

Acervo ISPN/André Dib
Acervo ISPN/André Dib

Fora dos mapas oficiais, comunidades utilizam o Tô no Mapa na luta por direitos territoriais; conflitos pela terra são uma das principais ameaças enfrentadas, aponta relatório

Mais de cinco mil famílias de povos e comunidades tradicionais e de pequenos agricultores – ainda não reconhecidas nos mapas oficiais do Brasil – utilizaram o aplicativo Tô no Mapa para realizar o automapeamento de seus territórios. É o que mostra o primeiro relatório de povoamento da ferramenta divulgado nesta quarta-feira, 30, pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e pelo ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza), com o apoio da Rede Cerrado e do Instituto Cerrados.

São quilombolas, indígenas, ribeirinhos, pescadores artesanais, extrativistas, quebradeiras de coco-babaçu, entre tantos outros, que acessaram o aplicativo para demarcar os limites de suas terras. Dados do IPAM e do ISPN, produzidos por meio de um levantamento em parte do Cerrado, mostram que existem 3,5 vezes mais comunidades tradicionais no bioma do que realmente foi computado por órgãos governamentais responsáveis. A lacuna torna o Tô no Mapa uma ferramenta essencial para retratar a realidade dessas populações.

O Tô no Mapa foi lançado em outubro de 2020 pelo IPAM e pelo ISPN, em parceria com a Rede Cerrado, a partir de oficinas e do diálogo com comunidades da região do Matopiba. No aplicativo, é possível inserir as características e locais de uso do solo, bem como focos de conflito. A proposta é construir um mapa com informações sobre as comunidades e povos tradicionais e rurais de todo o Brasil.

Comunidades invisibilizadas, territórios ameaçados

Até o momento, 53 comunidades de 23 estados brasileiros mapearam seus territórios no aplicativo. O maior número de cadastros se encontra no bioma Cerrado em Goiás (25%), Mato Grosso do Sul (23%), Tocantins (19%) e Maranhão (17%). A soma de todos os territórios mapeados é de 290 mil hectares.

Para a coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga do ISPN, Isabel Figueiredo, mapas são ferramentas políticas. “Por meio dessa iniciativa queremos disponibilizar uma ferramenta para que as comunidades se apropriem e possam elas mesmas definir os seus territórios e contribuir, assim, para a garantia de seus territórios”, avalia.

Durante o processo de cadastramento, as famílias relataram problemas por disputa territorial e invasão das terras – situação que representa 53% dos conflitos informados no aplicativo, segundo o relatório. O não reconhecimento dos territórios tradicionais e a falta de regularização contribuem para que os povos e comunidades tradicionais fiquem desprotegidos diante das ameaças. O automapeamento é um primeiro passo para que as comunidades passem, de alguma forma, a ser consideradas na elaboração de políticas públicas e de ações protetivas.

Guardiões da natureza

Se a invisibilização dos povos e comunidades tradicionais representa um risco à vida dessas pessoas, de suas culturas e de suas tradições seculares, também põe em xeque a sobrevivência do meio ambiente.

“O mapeamento pretende dar visibilidade a uma série de atores que são fundamentais para a conservação do Cerrado e dos demais biomas”, explica a pesquisadora e coordenadora de projetos do IPAM, Isabel Castro.

A produção agroecológica, a roça e a criação de pequenos animais definem as atividades de 70% das famílias que se cadastraram no aplicativo. Muitas vezes, com o uso comum do solo, povos e comunidades tradicionais adotam práticas sustentáveis para a conservação de nascentes e da biodiversidade da fauna e da flora ao redor.

Impacto da pandemia

A pandemia da covid-19 impossibilitou a continuidade de oficinas presenciais que, desde 2018, percorriam locais prioritários na região do Matopiba para conversar sobre o mapeamento. O formato adaptado foi o virtual, mas a instabilidade do sinal de internet e de telefone nas comunidades impactou as possibilidades de participação.

O risco de contágio com o novo coronavírus também dificultou o registro das comunidades no Tô no Mapa, uma vez que um dos requisitos para o cadastro é a realização de uma reunião entre os membros da comunidade, a fim de garantir um processo coletivo e participativo.

Entre os próximos passos está o aprimoramento do aplicativo e a reunião de mais organizações e comunidades interessadas no tema dos direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais.

As organizações pretendem, também, integrar o Tô no Mapa à plataforma de povos e comunidades tradicionais do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e do Ministério Público Federal (MPF).

O Tô no Mapa teve apoio do Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (CEPF), uma iniciativa conjunta da Agência Francesa de Desenvolvimento, da Conservação Internacional, União Europeia, do Fundo Global para o Meio Ambiente, do governo do Japão e do Banco Mundial. Uma meta fundamental é garantir que a sociedade civil esteja envolvida com a conservação da biodiversidade.

Acesse aqui o relatório na íntegra.

O aplicativo está disponível para Android e para iOS.

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