A alegria de viver em comunidade tradicional por Bau, geraizeira de Baixa Grande

Brasilina Assis todo mundo conhece por Bau na comunidade geraizeira Baixa Grande, norte de Minas Gerais. Ela conta ao Tô no Mapa as alegrias de viver na comunidade e um pouco da história do território, que hoje une mais velhos e juventude em ações e celebrações

Bau é uma das fundadoras da comunidade (Foto: Bibiana Garrido/IPAM)

Baixa Grande tem os primeiros registros de fundação datados de 1989. Brasilina Assis, a Bau, como todo mundo a conhece, está entre as fundadoras da comunidade geraizeira que fica no norte de Minas Gerais.

De fala alegre e riso que vem fácil, Bau compartilha com o Tô no Mapa a história da permanência no território, os desafios ainda enfrentados e as alegrias entre mais velhos e juventude na contínua construção coletiva da comunidade.

Em Baixa Grande vivem mais de 50 famílias. A área tem reservas de Cerrado nativo e de vegetação secundária, aquela que brota na terra depois de uma queimada. O principal trabalho da comunidade é com as casas de roda, nas quais é produzida goma de mandioca para comercialização. Além da mandioca, a comunidade também cultiva arroz, feijão, milho, cana-de-açúcar, hortaliças e frutas.

Secagem da goma de tapioca perto de uma das casas de roda (Foto: Bibiana Garrido/IPAM)

“Nasci aqui na comunidade, minha família é daqui mesmo. Me casei com um rapaz de uma comunidade próxima, mas continuamos morando aqui e com ele tive cinco filhos. A gente foi dando os primeiros passinhos para que a comunidade continuasse, junto com a dona Maria e seu Escolástico, daquela casa antiga ali ó. Dona Maria era a mais velha daqui, ela nos ajudava e incentivava”, lembra a geraizeira.

Dos cinco filhos, ela conta que nenhum precisou sair da comunidade para trabalhar. “A gente vive do que tem mesmo. A gente tá junto na vida social das pessoas, o que a gente pode a gente faz”, diz. Bau conta que já foi presidente da associação da comunidade e incentiva os filhos a também participarem das ações comunitárias. “Minha caçula, de 17 anos, gosta muito de trabalhar na comunidade comigo”.

A espiritualidade é uma preocupação de moradores e moradoras, tanto que o marco da fundação de Baixa Grande é a igreja da comunidade. Antes, as pessoas já moravam por ali, mas tinham que ir até outras comunidades para celebrações de fé. “Chegava domingo e a gente tinha que pegar estrada, então fomos pensando que dava para celebrar na nossa comunidade. Não tinha igreja, não tinha associação, era só mato. Graças a Deus a gente deu as mãos e foi lutando”, comemora Bau.

Também a escola da comunidade foi construída pelas mãos geraizeiras. De tijolo a tijolo, até mesmo as primeiras aulas para as crianças e adolescentes, foi a comunidade que pagou com o dinheiro da venda dos alimentos produzidos. Os e as estudantes de Baixa Grande não precisam mais andar cerca de 6 quilômetros para chegar na escola que era a mais próxima e, depois do prédio construído, as atividades escolares passaram a ser garantidas pela rede pública de ensino.

“A gente acha isso muito importante porque viver onde a gente mora e nasceu é muito bom. Nós temos nosso São João, que todo mundo parou e a gente tem aqui ainda, para alegrar as pessoas. É a alegria de viver numa comunidade tradicional! Nós temos a festa de São José, que é nosso padroeiro. A gente faz fogueira e janta para todo mundo!”.

Equipe do Tô no Mapa e do CAA-NM, o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas, em visita à Baixa Grande (Foto: Bibiana Garrido/IPAM)

Bau destaca a importância da coletividade no processo de fortalecimento da comunidade e da participação de todas as pessoas. “Nunca a gente faz nada sozinho. Vem os meninos do sindicato, nos orientou muito. Foi formando uma corrente para que a gente conseguisse o documento da terra”, conta ela.

Mas é sabido que mesmo com a regularização do território, os desafios podem continuar. Em Baixa Grande, a comunidade luta contra a contaminação por agrotóxicos, defende a proteção das cabeceiras de água, dos rios e da biodiversidade na natureza, com exemplo dos pés de Pequi. As geraizeiras e os geraizeiros sabem que é preservando no presente que se garante o futuro.

“Tem que livrar do agrotóxico e de quem tá destruindo as cabeceiras. Tem muito lugar que não tá destruído, tem muitas cabeceiras ainda. O pessoal que mora ajuda a preservar, a gente até bota um cercado para que animal não pise na cabeceira da água. Nós sabemos que se não conservar nascente, futuramente não vamos ter água. É isso que nos preocupa, os nossos filhos. E o futuro, como é que vai ser? A gente ensina eles e fala: vamos preservar hoje. Por exemplo, aqui nós temos a cultura do pequi, que é muito importante, e esse ano, que foi um ano devastador de muita água para a natureza na região, nós não conseguimos tirar nada. O ano passado a gente conseguiu muito. A gente luta. Quando alguém corta um pé de pequi a gente briga, porque plantar pequizeiro não é para todo mundo, é uma planta que demora muito a crescer na vegetação e a gente tem que proteger aquilo que a gente já tem”.

Moradoras e moradores analisam mapas para identificar as principais mudanças, ao longo do tempo, no território e no entorno (Foto: Bibiana Garrido/IPAM)

Para Bau, o que mais prejudica é a imprudência humana que não considera o olhar para o futuro, para ver que tudo o que é feito com a natureza hoje terá consequências. E esse amanhã é justamente o que a motiva a seguir incentivando as pessoas de dentro e de fora da comunidade com o exemplo de vida geraizeiro.

“Construir o amanhã aqui. O que me motiva é isso. A gente continua firme aqui para que os que estão vindo continuem também. Me sinto feliz em morar aqui. Às vezes eu vejo as pessoas que tá lá fora, que tem tudo e tá com depressão, sofrendo, e eu fico imaginando… porque eu não tenho nada, né? Tenho meus filhos, minha casinha e sou feliz, tão feliz com o que tenho. Agradeço a Deus todo dia pelo que tem me dado, a natureza tão linda que nos deu. Eu agradeço o alimento, seja ele o que for, meu sono tranquilo que eu durmo, agradeço muito a Deus por isso e não tenho nenhum pensamento de ir embora nunca”.

A geraizeira reforça que a comunidade precisa de apoio para permanecer no território, da sociedade e de governos, e da união coletiva entre comunidades, entidades, associações e organizações parceiras.

Confira e espalhe a mensagem de Bau para apoiar a vida digna de povos, comunidades tradicionais e agricultores familiares, e um futuro melhor de equilíbrio com a natureza:


“O que eu vejo que é importante é que a gente não pode pensar no hoje, a gente tem que pensar como vai ser nossa comunidade amanhã. Será que amanhã a gente vai achar água para beber? Será que nós vai achar a natureza para se inspirar nela? Sair andando, fazer um passeio na natureza e na serra… Será que a gente vai achar isso se a gente não começar a preservar hoje? A gente tem que pensar no futuro dos nossos filhos, na nossa saúde, porque a natureza é nossa saúde, o ar que nós respiramos. Será que a gente vai ter um ar puro se todo mundo começar a poluir? Nós tem que pensar no nosso futuro. E vale a pena viver nas comunidades tradicionais, onde todo mundo fala a mesma língua, pensa a mesma coisa e luta para ter uma comunidade preservada. Isso vale a pena. Nós vive aqui e graças a Deus a gente tem desfrutado da alegria de estar e viver junto. A união faz a força! E essa união nós quer preservar ela pra sempre”.

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