Nascentes de volta para a vida também voltar a brotar

Dando as mãos em esforço coletivo, a Comunidade Tradicional Geraizeira do Moreira lida com a falta d’água e a secura de 20 nascentes que um dia abasteceram o território; a luta é pela retirada do plantio de eucalipto da área de recarga das águas

Dona Maria do Carmo sempre viveu na comunidade e se orgulha do modo de vida geraizeiro, com união entre as pessoas e respeito à natureza (Foto: Bibiana Garrido/IPAM)

Quem vive ali há muito tempo sabe, diz Maria do Carmo da Silva, como eram e como ficaram as cerca de vinte nascentes que abasteciam a Comunidade Tradicional Geraizeira do Moreira com água em abundância o ano todo. Depois que chegou o plantio de eucalipto, bem nas áreas de recargas das nascentes, dezoito secaram por completo e duas seguem jorrando água, só que agora apenas uma parte do ano.

A comunidade foi fundada em 1800 e desde então é habitada pela população tradicional geraizeira. Tem áreas de conservação importantes para a biodiversidade dentro do território. Geraizeiras e geraizeiros ao longo dos anos tiraram seu sustento de culturas como mandioca, milho e feijão.

“Meus antepassados de muito tempo são aqui da comunidade. Tataravô, bisavô, pai, mãe. Nasci, me criei e sou casada na comunidade. Tive quatro filhos, dois vivos. Dois netos e um bisneto. Nós, como pessoas que vivem aqui há muito tempo, a gente sabe o que era e como ficou depois do desmatamento e a plantação do eucalipto. Moreira não foi a mesma nunca mais. O que a gente acha é que precisa afastar o eucalipto da área de cabeceira, e eu tenho certeza, sendo retirado de lá, as nascentes vão voltar. Hoje a gente tem encontrado muita dificuldade de viver aqui na comunidade por conta disso, se as águas voltassem, pelo menos um pouco do que era antes, ficaria mais fácil”, diz Maria.

Além das consequências para a natureza e para o dia a dia de trabalho na comunidade, a seca das nascentes têm impactado a permanência no território. Moradoras e moradores mais velhos contam que jovens já não têm condições de ficar na comunidade e se veem obrigados a sair em busca de emprego. Isso porque, com a falta d’água, o cultivo de alimentos na terra ficou difícil, e a possibilidade de geração de renda em Moreira diminuiu.

Geraizeras e geraizeiros reunidos estudam o mapa da comunidade, em visita da equipe do Tô no Mapa (Foto: Bibiana Garrido/IPAM)

É pela união, dando as mãos, reforça Maria do Carmo, que a comunidade vem se fortalecendo para enfrentar as dificuldades. Ela explica que o jeito de vida geraizeiro carrega em si ensinamentos transmitidos entre as gerações, de valorizar a vida simples, a honestidade, a humildade, a coletividade e o respeito à natureza. 

“Sou geraizeira e vivo como tal. A comunidade do Moreira tem seu jeito de vida simples, as pessoas aqui tentam viver honestamente e viver bem com o pouco que tem. Têm o costume de viver com humildade, de viver unido, onde todos partilham o que têm e compartilham o que vivem. Partilhar é se eu tenho algo lá em casa que meu vizinho não tem, eu vou contribuir. Da mesma forma ele, se eu não tenho e sei que meu vizinho tem, eu posso contar com ele. Sempre foi assim. E quando eu falo compartilha o que vive, é que se alguém tá bem, o restante tá bem, mas se alguém não tá bem, tá passando por alguma dificuldade, toda a comunidade se preocupa em estar junto. Se sorrir, sorri junto. Mas, se chorar, chora junto. É o jeito da gente viver, a gente não se esforça pra fazer isso, né? A gente vive assim porque a gente aprendeu a viver assim com os nossos antepassados”.

A comunidade do Moreira tem áreas inteiras conservadas, no horizonte, no alto do morro, é possível ver a linha de eucaliptos (Foto: Bibiana Garrido/IPAM)

Maria do Carmo também transmite o pensamento da comunidade que busca a valorização da identidade geraizeira, como forma de ampliar e até mesmo inspirar modos de vida em equilíbrio com o meio ambiente. A comunidade do Moreira fez o automapeamento do território no Tô no Mapa e agora conta com mais essa iniciativa para contribuir na divulgação da importância e na defesa dos direitos de povos, comunidades tradicionais e agricultores familiares.

“O Tô no Mapa é a gente tentar mostrar o que a gente é, mostrar pro Brasil o jeito nosso. A gente busca esse reconhecimento, que lá fora todos conheçam, porque eu acho que vale a pena. O geraizeiro tem uma vida natural, não se importa em querer ser o que ele não é, ou querer fazer mais do que ele pode. E a convivência boa que a gente tem com a natureza, a gente entende como lidar com a natureza, não tenta fazer ela trazer aquilo que não tem como ela trazer, e aquilo que ela traz a gente valoriza, porque a gente sabe a importância que a natureza tem pra gente. O geraizeiro aprende a viver bem com a natureza porque a gente sabe que ela é tudo pra gente”. 

A geraizeira compartilha os ensinamentos dos modos de vida na comunidade como parte da solução para um futuro melhor. Veja no vídeo! A descrição está logo abaixo. 

“A mensagem que eu deixo é que seja valorizado não só o geraizeiro, mas cada um que busca viver bem com a natureza. Eu tenho certeza que cada um faz a diferença. Que sejam vistos como alguém que tá contribuindo e que sempre contribuiu com a sociedade de alguma forma, principalmente, em relação com a natureza, o meio ambiente, o jeito de vida familiar, de valorizar o que é viver junto, o que é viver numa comunidade onde todos se ajudam, isso precisa ser valorizado. Que as pessoas também tenham isso como exemplo, eu tenho certeza que o mundo pode ser bem melhor, começando pela natureza, mas, como ser humano que a gente é, a gente tentar viver sempre unido. Só assim a gente consegue alcançar os objetivos, né? Dando as mãos e juntos lutando pelo que a gente acredita. Que é o que a gente faz aqui, apesar das dificuldades a gente não desiste. De mãos dadas, a gente sabe que um dia vai conseguir aquilo que a gente tanto almeja”.

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