De Canudos à Cachoeira nas Gerais da Bahia
É a história na comunidade geraizeira Cachoeira, no oeste baiano, sobre quem primeiro foi chegando: descendentes de Canudos, campanha que se fixou no interior do Estado no séc. 19
Adão Lopes é geraizeiro da comunidade tradicional de Cachoeira, na região oeste do Estado da Bahia. Conta que lá nasceram seus pais, avós e bisavós. A história sobre a origem da comunidade, compartilhada de geração em geração, rememora a chegada de descendentes de Canudos.
Campanha que se fixou no interior baiano no século 19, na cidade de Canudos, ficou conhecida pela liderança de Antônio Conselheiro. O peregrino reuniu milhares de seguidores em busca de uma salvação divina para os problemas de falta de políticas e infraestrutura na região. A pressão em torno do grupo inflou o Exército, dando início a um conflito que resultou na morte de cerca de 25 mil pessoas.
São oito dias a pé entre Canudos e Formosa do Rio Preto, município onde fica Cachoeira. Pouco mais de 830 quilômetros separam o local que virou palco de uma guerra da comunidade onde sertanejos e sertanejas teriam se fixado.
As Gerais viraram casa. Foram anos de encontrar morada e criar raízes. Além de Cachoeira, explica Adão, outras comunidades foram surgindo na região, uma vizinha da outra. As famílias foram se espalhando, geograficamente, na medida em que cresciam.
“Depois de um tempo, a gente foi começar a mexer com a roça e criar um pouco de gado. Foi aumentando gado, mas chegou um tempo em que a gente teve que diminuir. A gente plantava arroz, mas ficou meio difícil também”, diz Adão.
Passados ao menos dois séculos de sua fundação, Cachoeira viria a ser uma das impactadas pelo empreendimento das Fazendas Estrondo, com cerceamento do território tradicional e do direito de ir e vir de sua população. Cacimbinha, comunidade geraizeira nas redondezas, também vivenciou os efeitos negativos do condomínio de fazendas.
“Mudou um pouco a realidade, por essa firma que chegou aí. O território da gente diminuiu muito, ficou prensado, pequeno, em comparação com o que era antes. Por outro lado, trouxe algum benefício, porque tem muita gente que trabalha ali”, complementa.
As comunidades conseguiram decisões judiciais favoráveis, por exemplo, para a retirada de guaritas contratadas pelo empreendimento, que dificultavam a circulação de moradores e moradoras. Ainda assim, com área menor, não conseguem mais criar o gado solto, prática tradicional geraizeira, por muitas vezes o gado ter passado para as fazendas.
“Mas ainda tem muita guarita aqui perto da gente, né? E a gente não tem como locomover pro lugar que eu gostaria que fosse. Agora, pelo menos, liberou mais um pouco, e a gente consegue andar um pouco mais tranquilo”, conta Adão.
Entre os modos tradicionais de ser geraizeiro, ele fala sobre a relação com a natureza. “O Cerrado aqui na comunidade para nós aqui é a vida, né? Porque aqui a gente depende dele para criar. As águas da gente também”.
E destaca as consequências do desmatamento do bioma, observadas na região: “Só porque desmatou o Cerrado, a gente vê que o rio baixou bastante, um bocado de brejo secou. Se destruir o Cerrado fica difícil a gente viver por aqui, porque com o tempo as águas vão baixar demais”.
O geraizeiro ressalta que há conhecimentos passíveis de serem encontrados e absorvidos somente em contato com o Cerrado e a natureza.
“Tem muita gente que mora na cidade, mas não conhece a realidade, né? Até porque eu vejo muita gente que passa a trabalhar nos lugares, quer dar aula de sabedoria, e quando você vai ver, na prática, conhece muito pouco”.
Antes do povoado se reconhecer como comunidade tradicional geraizeira, havia preconceito. Olhares e tratamento diferente que passaram depois da afirmação como geraizeiros e geraizeiras.
“Quando eu era pequeno, eu via a diferença. O pessoal parece que via gente como inferiores, como umas pessoas sem costume. Daí foram conhecendo a gente, e hoje todo mundo gostaria até de morar por aqui, porque é uma região boa”
Para o futuro, espera-se próximo, Adão e moradores e moradoras de Cachoeira querem mais estrutura para a comunidade, com energia e estradas. Catarina, que vive no território, já contou sobre a dificuldade de locomoção para ir ao hospital.
O objetivo do mapeamento de territórios tradicionais é fortalecer a criação e aplicação de políticas públicas, além de criar uma base de dados para contribuir com o reconhecimento e a regularização fundiária das comunidades.